HIV é um dos temas mais pesquisados no Brasil, destaca O Estado de S.Paulo
Câncer lidera estudo clínico no Brasil
Diabete também é um dos principais alvos de pesquisas com seres humanos; especialistas pedem mais incentivo
Fabiane Leite
Dados de um dos principais bancos de registros de estudos clínicos no mundo, com sede nos Estados Unidos, apontam que a maior parte das pesquisas no Brasil têm como alvo o câncer - com liderança para o de mama -, diabete, doenças do aparelho circulatório e estudos sobre HIV e aids. Juntos, concentram ao menos 25% dos trabalhos.
De 1.613 estudos clínicos (com seres humanos) no País registrados no banco de dados Clinical Trials , mantido pelo governo norte-americano, um terço ainda está recrutando pacientes. Apenas um estudo sobre dengue está registrado.
A maioria dos trabalhos é financiada pela indústria farmacêutica e trata de novas drogas. E são mais frequentes os estudos fases 3 e 4 - realizados quando o remédio está pronto, para verificação de eventos adversos e ambientação de drogas em novos mercados, e que recrutam um grande número de pacientes em diversos países.
Para especialistas, o perfil confirma a transição epidemiológica do Brasil - mais idosos e mais doenças crônicas e menos doenças infecciosas ligadas às más condições de vida -, além do interesse da indústria por áreas que dão mais lucro. E, ao mesmo tempo, também aponta para a necessidade de rediscutir a regulamentação, controle e incentivos para os estudos que visem a melhoria da saúde da população e avanço científico brasileiro.
O Ministério da Saúde, porém, promete alavancar a pesquisa no País (mais informações nesta página). "O Brasil ainda está na lanterna porque criou um sistema inadequado para pesquisa. Nos EUA há cerca de 50 mil estudos registrados", afirma Charles Schmidt, vice-presidente da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica, que reúne empresas que realizam estudos.
Dirceu Greco, professor de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais, avalia que o sistema de aprovação de pesquisas garantiu uma blindagem contra abusos de pacientes em estudos no País. Mas vê, no perfil de trabalho feito aqui e no tipo de estudo mais frequente (fases 3 e 4), um indicador da necessidade de reavaliar os incentivos.
"A ideia é mudar o paradigma. Aqui se faz pouca pesquisa e muitos ensaios, projetos que não agregam valor ao País. Não faz diferença fazer um estudo desses aqui ou no Peru", diz Greco, que ajuda a coordenar uma rede nacional de pesquisas clínicas criada pelo ministério. Em trabalhos fases 3 e 4, os pesquisadores não participam do desenho do estudo, de análises mais sofisticadas de moléculas, o que ocorreria se participassem desde os primeiros passos da pesquisa.
"O perfil revela uma tendência mundial da indústria, que busca remédios para o mercado, oncologia, coisas para o envelhecimento. É muito importante, mas somos carentes de estudos para dengue, malária, em que a indústria não vai trabalhar, ela não é entidade beneficente", diz Schmidt.
COLABOROU ALEXANDRE GONÇALVES
Ensaios não chegam a gerar artigo científico
A maior parte dos ensaios clínicos de todo o mundo cadastrados no ClinicalTrials.gov, registro de pesquisa dos EUA, não gera artigos em revistas científicas. É o que mostra estudo da Public Library of Science Medicine que analisou 677 pesquisas do site. Apenas 46% dos testes clínicos já finalizados tiveram resultados publicados.
Os autores do estudo lamentam a não divulgação dos resultados. "A comunidade científica deveria priorizar a disseminação rápida e rigorosa dos resultados dos testes clínicos", aponta o trabalho. I
O porcentual de quem volta ao ClinicalTrials.gov para acrescentar o link dos resultados publicados é ainda menor: 31%.
Os autores argumentam que informações como esta são importantes para médicos e pacientes conhecerem, sem dificuldade, os resultados, positivos ou negativos. A.G.
Ministério diz que vai montar nova plataforma para controle de pesquisas
Fabiane Leite
O Ministério da Saúde promete para o primeiro semestre deste ano o início das operações de uma nova plataforma para controle ético de estudos clínicos. Também pretende fazer um registro de ensaios de livre acesso que acolha informações detalhadas e padronizadas sobre os trabalhos, capaz de abastecer uma plataforma internacional de pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os registros dos estudos em bancos de informação públicos e gratuitos são preconizados pela OMS como forma de garantir o controle social e evitar abusos, como trabalhos que coloquem em risco a saúde dos voluntários. Além disso, podem auxiliar doentes e pessoas sem possibilidades terapêuticas.
Também são um instrumento para o planejamento de estudos. Todos os ensaios clínicos no País têm de passar por comitês de ética em pesquisa locais. Estudos maiores, realizados em vários centros e por laboratórios multinacionais, entre outros, têm de passar pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão de controle social do ministério.
E estudos de remédios e produtos para a saúde têm de ter aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Estima-se que ao menos 40 mil estudos passem pelos comitês e pela Conep anualmente, mas embora a comissão mantenha um sistema de registro de trabalhos, ela disponibiliza poucos dados ao público.
Já a base de dados do Clinical Trials (www.clinicaltrials.gov), do governo americano, traz apenas uma amostra do que é feito no Brasil. Porém, reúne estudos de maior peso, com pretensão de obter espaço nas principais revistas científicas. O acesso é livre.
A promessa é que os novos bancos de dados nacionais sobre pesquisas clínicas auxiliem também a acelerar a aprovação de estudos. "A palavra de ordem é transparência", diz Dalton Ramos, integrante da Conep. A Plataforma Brasil, sistema via internet que pretende permitir a submissão e avaliação de ensaios com mais transparência e agilidade, poderá começar a ser testada por comitês de ética ainda neste mês.
Leonor Pacheco, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do ministério, destaca que até o fim de março o registro nacional de ensaios estará em operação piloto. Ela diz que a pasta investiu R$ 30 milhões para estruturar 32 centros de pesquisas nacionais e outros R$ 45 milhões para estimular a produção de novas drogas, em parceria com a indústria. "Em 2010 vamos dar um salto na descentralização das avaliações." Com maior transparência, a pasta e a Conep prometem descentralizar as avaliações éticas dos estudos, reivindicação da indústria, universidades e pesquisadores.
NÚMEROS
64% das pesquisas são fases 3 e 4
31% dos estudos são abertos para voluntários
55 dele já têm resultado
Fonte: Folha de S.Paulo
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