sexta-feira, 9 de julho de 2010

Articulação de solidariedade e compromisso de luta

Organizações realizam reunião em Joaquim Nabuco(PE) para discutir ações que contribuam para diminuir sofrimento das populações atingidas pelas cheias


Um grupo de entidades filiadas a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais) e uma articulação de mulheres que atuam na Zona da Mata estiveram reunidas na quarta-feira, 07, em Joaquim Nabuco (PE) para discutir ações que contribuam para atenuar a situação dos/as atingidos/as pelas enchentes na região. A ideia é ir além da solidariedade da arrecadação de donativos, pensando estratégias de organização local e regional para que as famílias do campo e da cidade possam ter seus direitos assegurados no processo de reconstrução dos municípios e nas políticas públicas planejadas para a Zona da Mata pernambucana.

Participaram da atividade cerca de 30 pessoas. Entre elas, representantes de organizações e agricultores/as vítimas das enchentes. Durante a reunião, foram feitos diversos relatos sobre a situação em que se encontram os municípios atingidos, por pessoas que estão vivenciando o drama que se instalou na região. Em cada palavra muitas lágrimas, muita tristeza e emoção, além da perplexidade diante de algumas atitudes nada solidárias e humanitárias, como é o caso do uso de favoritismo na hora da distribuição dos donativos.


O quadro apresentado é preocupante. Os municípios estão com dificuldades na organização dos cadastros das pessoas atingidas pelas enchentes, tanto as que tiveram suas casas destruídas como as que ainda têm as casas, mas perderam todos os seus pertences. As informações não circulam e muitas das secretarias municipais de assistência social não estão desempenhando devidamente o seu papel no acompanhamento das famílias. Isso tem dificultado a entrega dos donativos nas áreas urbana e rural.

Já as famílias que se encontram nos abrigos conseguem receber alimentos e roupas, entretanto ainda faltam colchões, toalhas e lençóis. As pessoas que estão alojadas em casas de amigos e familiares estão recebendo pouca ou nenhuma assistência. O problema da saúde é preocupante. Em Água Preta já aconteceram três casos de morte por leptospirose, sendo um deles o de um agente de saúde. As pessoas estão preocupadas porque alguns municípios não estão fazendo vacinação e distribuindo os materiais necessários para proteção. O risco de epidemias é grande.


Na área rural, o drama ainda é maior, porque os gestores públicos ainda não fizeram um levantamento dos atingidos. Há falta de comunicação entre o campo e a cidade. Os acessos estão prejudicados e muitas famílias estão praticamente isoladas. No Engenho São João da Prata, em Palmares, há 120 famílias i soladas, porque a ponte caiu e a única forma de acesso é via jangada ou pequeno barco. Esta dificuldade afeta a entrega de alimentos e outros materiais necessários para as famílias, pois as cestas básicas que são levadas para lá nunca é na quantidade do número de famílias existentes no engenho.


Encaminhamentos: o Articulação de organizações discutiu com os/as presentes as ações de urgências para minorar a situação das famílias neste momento. Alguns projetos estão sendo encaminhados para arrecadar fundos para a compra de equipamentos de segurança, limpeza e de higiene, colchões, lençóis e toalhas, que são os itens de maior necessidade. Também foram formados grupos de trabalho para levantar as diferentes denúncias apresentadas, além de buscar o diálogo com os gestores públicos para discutir os diversos problemas que vem atingido as populações vítimas das enchentes. A preocupação é de acompanhar todos os processos de reorganização dos municípios a curto, médio e longos prazos, objetivando interagir na busca de soluções para o caos que se formou na região da Mata Sul Pernambucana.


Na ocasião, integrantes da Rede em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres da Mata Norte e Centro e da Articulação de Mulheres da Mata Sul divulgaram uma Nota Pública intitulada “Realidades e Contextos SEMPRE Desiguais e Desafiadores – na qual questionam os governos sobre as etapas do processo de “reconstrução”. Sobre como a sociedade civil será escutada.


Alguns depoimentos:

“A cidade está de uma forma que parece que jogaram uma bomba. Muitas pessoas ainda estão dormindo no chão. Existem famílias com até dez pessoas que só receberam um colchão. O desespero leva as pessoas a fazer confusão na hora que chegam os donativos. Estamos vivendo com medo de pegar doenças, sem vacinas. Quem perdeu suas casas, que eram alugadas, agora, não terá condições de alugar outra porque os preços estão muito altos. Também não existem casas suficientes no município” - Edvânia Maria Lima, de Água Preta.


“É urgente que engenheiros e arquitetos avaliem a situação de algumas casas na cidade. Elas estão ameaçadas de cair e as pessoas estão dentro delas. Outro grande problema é que na entrega dos donativos há muito apadrinhamento. Não há medicamentos. E para completar, pessoas que querem roubar o que restou dentro das casas espalham pela cidade alarmes falsos de que a barragem estourou, causando desespero. Existem homens e mulheres com problemas de coração que já morreram por causa disso” Diana Eugênia, Palmares.


“Lá, caíram 30 casas. Por sorte, ninguém morreu. A gente (ela, marido e filho) tá dormindo no lugar que a gente criava as galinhas. Sei que as galinhas também queriam proteger os pintinhos delas, como eu queria proteger o meu filho, mas não teve jeito de deixar elas ficarem lá. Perdi toda a minha horta. Eu fazia farinha, mas hoje não tenho como fazer nem como vender. Não sei o que vai ser da gente. Esses dias dei uma bolsa de leite que ganhei para uma mulher que tinha um filho pequeno. O meu filho já é um pouco grande e ela precisava mais do que eu. Eu não sei como recomeçar. O pouco que tenho é do Bolsa Familia e de um pouco de goma que consegui vender. Lá, a gente não tem nem hospital, nem vacina. As cestas que chegam não dão para a quantidade de famílias que existe no assentamento” - Rosemira de Lima – Assentamento São João da Prata.

“É difícil você vê tudo o que foi construído, durante toda a sua vida, acabar em um dia. Porém, acredito que vou sair desse ‘fenômeno natural’, ou melhor, nada normal, cheia de força. Acredito, sim, que sairei dessa situação para criar meus filhos, ajudar minha mãe, a minha família e contribuir com a transformação da sociedade” – Cristiane Maria Maciel Gomes – Água Preta.


Fonte: Texto da Jornalista Ana Célia

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